O ano acaba... com os reflexos das luzes da cidade aprisionados nos charcos deixados pela fria chuva de Inverno.
Saio de casa porque não quero ficar sozinho. Sempre que olho à minha volta vejo todo o espaço que está ainda por preencher. Preciso de (me) esquecer.
Resignado, desço a avenida devagar... sem pressa.
Afinal, com o cair da noite, as nuvens já não parecem tão assustadoras.
Estranhos passam por mim. Sozinhos, perdidos nos seus pensamentos. Fico com a ideia de que também eles não têm para onde ir e se limitam a vaguear... à espera de encontrar algo... ou alguém com quem partilhar mais uma noite.
Sigo, misturado com as sombras, por entre sentimentos e pensamentos.
No largo, junto à estátua, um pequeno grupo de estranhos reúne-se para a última refeição à porta de uma carrinha de uma instituição social. São eles os donos da cidade... aqueles que se escondem durante o dia e vivem durante a noite, guardando os cantos escuros com a sua presença.
Passo por eles e oferecem-me o que comer. Não tenho fome. Mas aceito ficar. É estranho perceber que quem menos tem é quem mais se dispõe a partilhar. E aqui partilha-se tudo. A escassa refeição, que é por vezes a única do dia. As experiências de uma vida que já foi boa. O últimos resquícios de humanidade que ficaram depois de tudo o resto se ter pedido. Pouco depois a carrinha abandona-nos. Deixam-nos com votos de um futuro melhor. O grupo dispersa. A data tem tanto de simbolismo como de miséria e os cantos escuros já ficaram sem vigilância por tempo demais.
Continuo a caminhar para lado nenhum.
Chego ao rio, já bem perto da hora da mudança. Já lá estão grupos de pessoas à espera da contagem decrescente. Garrafas de espumante e copos de plástico. A alegria nos rostos de quem me rodeia é, também ela, de plástico. Fazendo os possíveis por esquecer o quão mau foi o ano anterior e tentando optimisticamente pensar num futuro melhor.
Chega a hora. O fogo de artifício brilha nos céus da cidade. Os copos de plástico enchem-se. E comemora-se... só não percebo o quê.
Comem-se as passas. Salta-se de uma cadeira. Sucedem-se superstições e cumprimentos disparados aleatoriamente para amigos e desconhecidos.
E assim começamos mais um ano. Com os bolsos cheios de desejos e expectativas. A chuva, que entretanto começa a cair, espalha alguns salpicos de ambição. E fazemos promessas. Promessas que por vezes nem pensamos cumprir... mas fazemos porque fica bem e porque temos que nos convencer que essa seria a postura certa para uma realidade ideal.
E daqui a um ano vamos estar ali, uma vez mais. Com mais desejos e mais expectativas. A partilhar a mesma alegria de plástico... e a comemorar.
And this is the day when it all begins... again.
2 comentários:
Um ano cheio de coisas belas e de sorrisos sinceros, é o que te desejo.
Beijos
Ruth,
Também era isso que tinha em mente... ;)
Muito Obrigado e faço minhas as tuas palavras... até porque coisas belas e sorrisos sinceros nunca são demais.
Beijo.
JR
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